Portal de notícias anti-vaping ataca cigarros eletrônicos, mas defende produtos da indústria tabagista

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O portal de notícias O Joio e o Trigo há muito tempo se mostra contrário à regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil, com pautas frequentes atacando a indústria tabagista ou quem quer que se mostre à favor do tema, inclusive organizações e grupos independentes como o Vaporaqui.net, mas na última Quinta-feira dia 26/01/2023, mostrou uma narrativa diferente, em uma publicação no Instagram que defendeu os produtos das fabricantes de cigarros.

Quem é O Joio e O Trigo?

De acordo com o seu próprio website – www.ojoioeotrigo.com.br – O Joio e O Trigo diz fazer um “jornalismo investigativo sobre alimentação, saúde e poder” e se descreve como um agente que pratica “…o jornalismo como uma ferramenta-chave para que a sociedade se contraponha aos poderes que estão levando ao esgotamento das vidas no planeta”. Ele também diz ser um “…projeto jornalístico que afirma a necessidade de construirmos um novo sistema econômico, que coloque o bem-estar das pessoas, dos animais e do planeta no centro. Hoje, quem está no centro são as corporações e é disso que se trata o Joio.

Mas ironicamente, ao analisar o conteúdo do portal, parece apenas defender os interesses de seus apoiadores, como a ACT – Promoção da Saúde, entidade que figura em primeiro lugar na lista da página de “Quem apoia“, sendo uma das principais organizações que faz intenso lobby contra a regulamentação do comércio de produtos como cigarros eletrônicos e tabaco aquecido no Brasil. A ACT – Promoção da Saúde recebe apoio de instituições internacionais ligadas à Bloomberg Philanthropies, conglomerado das empresas Bloomberg, que já injetaram mais de 1 bilhões de dólares no mundo todo em uma campanha contra o consumo de nicotina, mesmo aquele feito através de produtos de menor risco e destinados a reduzir os danos à saúde nos fumantes adultos, como os vaporizadores.

O Vaporaqui.net inclusive já foi alvo de mais de uma pauta do O Joio e o Trigo, como cobrimos em detalhes em nosso artigo Muito Joio, pouco trigo, entenda a guerra contra os cigarros eletrônicos no Brasil, em uma constante tentativa de ligar nosso projeto à indústria tabagista, na esperança de enfraquecer a mensagem de redução de danos por um suposto conflito de interesses, chegando até a nos acusar publicamente de receber financiamento das indústrias do cigarro, o que até hoje nunca ocorreu. Como diz a máxima, se não pode lutar contra a mensagem, ataque o mensageiro.

Se trata infelizmente de uma estratégia muito utilizada pelos proibicionistas do meio de controle do tabaco, pois até hoje não há conteúdo científico de qualidade e livre de conflitos de interesses que comprove riscos de danos graves no uso dos cigarros eletrônicos, pelo contrário, o mundo descobre cada vez mais que são produtos muito menos prejudiciais do que os cigarros convencionais e que podem ajudar milhões de adultos fumantes a parar de fumar.

Mas os ataques são direcionados a qualquer um que apresente uma narrativa diferente da proibição do comércio de cigarros eletrônicos no Brasil, sejam independentes como o Vaporaqui.net ou parte da indústria tabagista, mas parece que recentemente alguma coisa mudou na estratégia do O Joio e O Trigo, já que sua página oficial do Instagram agora mostra uma publicação que ataca os cigarros eletrônicos usando de argumento a defesa dos produtos das fabricantes de cigarros, seu grande alvo até pouco tempo atrás.

A Publicação

Com mais de 170 mil seguidores, a página publicou uma sequência de 8 fotos contendo textos, que até a data de publicação desta matéria contava com 4799 curtidas e 74 comentários.

O texto da publicação segue:

Pode parecer que não, mas a história da produção do fumo de corda em Alagoas tem muito a dizer sobre o futuro da fumicultura no mundo. Assim como o fumo rústico produzido lá enfrentou uma crise de demanda desde os anos 90, a cultura de qualquer variedade de tabaco pode entrar em declínio caso o cigarro eletrônico se consolide. Esse produto, que é a grande aposta das gigantes corporações do fumo, pode ser feito à base de nicotina sintética.
Que lições a história da região de Arapiraca pode dar? Fomos até lá ver como os fumicultores têm se virado. E contamos em detalhes o cenário no par de reportagens especiais. Leia já — link nos stories e na bio.

Abaixo a sequência de imagens publicada:

O tom emocional e trágico desse tipo de comunicação é tática comum na campanha anti-vaping no Brasil, que não apresenta qualquer argumento científico, mas apela para o sentimento das pessoas. Cigarros eletrônicos não são ruins porque novos estudos de qualidade comprovaram um impacto negativo dos produtos na saúde, mas porque existe uma suposta hipótese, de um lugar distante, com um futuro incerto, de que talvez, em algum momento, quem sabe um dia, eles possam causar prejuízos.

O que são os DEFs?

Os DEFs – Dispositivos Eletrônicos para Fumar foi a nomenclatura adotada pela ANVISA para se referir aos cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido, mesmo sendo um termo tecnicamente incorreto, já que “fumar” está ligado ao ato de “produzir fumaça”, o que não ocorre em nenhum dos produtos.

Apesar de ambos serem eletrônicos, são dispositivos muito diferentes. Os cigarros eletrônicos aquecem um líquido que pode conter nicotina enquanto o tabaco aquecido utiliza um bastão de cigarro especial que como o próprio nome já diz, aquece ao invés de queimar, o que diminui muito a produção de compostos nocivos no consumo.

É muito importante lembrar que os cigarros eletrônicos não são produtos da indústria tabagista, que não foi a inventora e tampouco detém controle do mercado, sendo fabricados em sua maioria por empresas Chinesas, que detém mais de 70% do mercado global. Inventados em 2003 por um farmacêutico e engenheiro Chinês chamado Hon Lik, as tabagistas só começaram a desenvolver cigarros eletrônicos à partir de 2012.

Já o produto de tabaco aquecido é um produto exclusivo da indústria tabagista.

Em relação a estratégias de mercado, temos duas abordagens bem diferentes entre as maiores indústrias tabagistas do mundo: a BAT – British American Tobacco (antiga Souza Cruz no Brasil) e a PMI – Philip Morris International, líderes no mercado mundial de cigarros. Enquanto a BAT defende um discurso de oferecer produtos de menor risco em um leque abrangente de opções, deixando a cargo do consumidor escolher aqueles que mais lhe interessar, o que inclui igualmente cigarros eletrônicos e tabaco aquecido em seu portfolio, a PMI já deixou publicamente claro que prefere trabalhar com seu produto de tabaco aquecido, chamado IQOS, enquanto opta por criticar os cigarros eletrônicos, sugerindo que eles oferecem mais perigo aos consumidores, cujo argumento é a falta de controle na manipulação dos produtos.

Apesar da preocupação da PMI, nenhum país do mundo tem enfrentado esse tipo de problema desde a criação dos cigarros eletrônicos, mesmo sendo os produtos de “sistema aberto” (que permite a manipulação) os mais usados no mercado. Seria como condenar copos de vidro porque são produtos que permitem que as pessoas bebam produtos de limpeza.

Hipótese frágil de serem menos nocivos?

Na terceira imagem da publicação da página de Instagram do O Joio e O Trigo temos o texto: “Entre os DEFs – cujo marketing se apoia na hipótese, ainda frágil, de serem menos nocivos à saúde -, apenas os produtos de tabaco aquecido dependem da planta”.

Ao contrário do que é dito, a ciência já sabe que os cigarros eletrônicos oferecem apenas uma fração dos danos dos cigarros convencionais, além de ajudar mais as pessoas a parar de fumar do que adesivos e gomas de mascar de nicotina, com centenas de pesquisas e declarações de organizações de saúde internacionais que estão moldando a regulamentação de diversos países.

Entre muitos exemplos, temos a Inglaterra, que está colocando em prática um sistema de prescrição médica para os dispositivos, além de há anos já ter incorporado os cigarros eletrônicos em seu sistema de saúde de apoio ao fumantes, inclusive permitindo a venda em lojas dentro de hospitais.

Mas são nas próximas imagens que a publicação tenta criar o principal argumento contra os cigarros eletrônicos, a ameaça da nicotina sintética e uma potencial perda futura para a fumicultura do Sul do Brasil.

Nicotina sintética e a ameaça a fumicultura brasileira

A publicação tenta criar uma ligação entre o que aconteceu com a fumicultura do Nordeste com uma futura crise na fumicultura do Sul por conta da nicotina sintética, oferecendo uma visão pessimista do futuro e ignorando uma inovação tecnológica que pode ter um grande impacto positivo na saúde pública.

Como mostra o próprio artigo indicado no Instagram e publicado no website do O Joio e O Trigo Plantar comida em vez de tabaco: por que essa troca é tão difícil?, o mercado de plantio de tabaco nordestino praticamente acabou por conta de vários fatores, nenhum deles relacionados aos cigarros eletrônicos, sendo principalmente a queda na demanda. Os riscos tóxicos do plantio, a queda do número de fumantes, a substituição do fumo em corda nos cigarros industrializados e principalmente a alta quantidade de nitrosaminas (substância cancerígena) que o tabaco nordestino apresentava, levaram ao desinteresse da indústria tabagista pelo produto e o declínio do mercado fumageiro da região.

De acordo com O Joio e O Trigo, uma história semelhante poderia acontecer por conta da nicotina sintética, feita em laboratório sem a necessidade da planta, o que causaria uma queda na demanda do tabaco plantado no Brasil, chegando a dizer que a proibição do comércio dos cigarros eletrônicos no Brasil seria uma proteção aos fumicultores brasileiros.

Porém o uso de nicotina sintética ainda é raro, já que sua produção é muito mais cara do que a convencional, não sendo comercialmente viável para a maior parte do mercado, que ainda passará muitos anos dependendo da nicotina extraída da planta, se é que um dia deixará de depender, garantindo que o plantio do tabaco seja absolutamente essencial para manter a indústria.

É estranho que O Joio e O Trigo defenda um tema que já atacou tantas vezes de forma tão feroz, como em seu artigo do mês passado Nicotina washing? A tentativa de reabilitação da nicotina pela indústria do fumo, que conta com mais de 4000 palavras que tentam tornar a nicotina uma vilã em todas as suas formas, desde aquela usada nos cigarros, passando pelos produtos eletrônicos, até quando utilizada nos estudos mais recentes que tem obtido sucesso no uso da substância no tratamento a Alzheimer, Mal de Parkinson e esquizofrenia. Ao que parece, é apenas conveniente utilizar esse argumento no momento para tentar provar um ponto que permita o ataque aos cigarros eletrônicos, enaltecendo a nicotina da planta dos fumicultores do Sul do Brasil pois esta será usada nos produtos de tabaco aquecido.

Mas é preciso admitir que inovações tecnológicas vão surgir e os mercados devem se adaptar, a mesma coisa pode ser dita para a carne feita em laboratório, que de acordo com a Forbes, é uma novidade que pretende suprir a demanda de proteína em 2050, mas que já fez com que a pecuária Brasileira comece a se preparar adotando técnicas sustentáveis como Carne Carbono Neutro, ILPF (integração Lavoura Pecuária Floresta), BEA (Bem Estar Animal) e biodigestores. De acordo com um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o rebanho brasileiro aumentou 317% e a produção de carne 628%, enquanto a área de pastagens diminuiu.

Ninguém pode dizer que a pecuária brasileira não é fundamental, mas também temos que admitir que ela vem com um custo, principalmente ao meio ambiente. O mesmo pode ser dito para o plantio de tabaco, que também deve se preparar para o futuro.

Defesa dos produtos da indústria tabagista

Com certeza o ponto que mais chama atenção na publicação do O Joio e O Trigo é a defesa dos produtos exclusivos da indústria tabagista, o tabaco aquecido, em detrimento dos cigarros eletrônicos.

O Joio e O Trigo há muito tempo apresenta pautas não apenas contra os produtos em si, sejam a nicotina em si ou os produtos de cigarros eletrônicos, mas contra qualquer um que ouse apoiar a redução de danos do tabagismo, principalmente a indústria tabagista. Sempre com uma ótica negativa e frequentemente fazendo acusações de atitudes questionáveis, defesa de interesses ou supostas irregularidades, como podemos ver em seus artigos A indústria do cigarro ainda sufoca os cofres públicos e não quer pagar a conta, ‘Conta do cigarro’ aumenta no Brasil, A falsa narrativa sobre o cigarro contrabandeado, Lobby da indústria faz Brasil falhar contra comércio ilícito de cigarros e vários outros.

Sem entrar no mérito do que é ou não verdadeiro no conteúdo publicado no website do O Joio e o Trigo, é bastante claro que o veículo costuma apresentar uma postura hostil em relação a indústria tabagista.

Mas na publicação do Instagram é feito um comparativo entre os produtos, onde os cigarros eletrônicos são criticados pela mera possibilidade de um dia não dependerem da extração da nicotina da planta de tabaco, enquanto é apontada a vantagem dos produtos de tabaco aquecido que dependem do tabaco plantado, o que garantiria a demanda para os fumicultores. O Joio E O Trigo claramente defende os produtos da indústria tabagista e os considera melhores do que os cigarros eletrônicos.

De acordo com sua análise, o produto de tabaco aquecido ainda utiliza um bastão de tabaco similar ao cigarro convencional, que é aquecido e não queimado, o que necessita do tabaco em si e não apenas da nicotina, como os cigarros eletrônicos, portanto ainda dependerá da produção dos fumicultores brasileiros para manter o mercado.

O mais irônico é que a ciência mundial já tem grande certeza que o risco dos cigarros eletrônicos são menores do que os do tabaco aquecido. Quando comparados com os cigarros convencionais, o tabaco aquecido oferece riscos 90% a 95% menores enquanto os cigarros eletrônicos oferecem uma redução de riscos de 95% a 99%.

Enquanto os cigarros eletrônicos já são regulados em mais de 80 países, o tabaco aquecido tem obtido relativo sucesso em apenas alguns mercados como o Japão, mas ainda muito atrás dos vaporizadores. Em alguns poucos casos, como o Uruguay e a Indonésia, o tabaco aquecido foi permitido, enquanto os cigarros eletrônicos não.

Resta saber quais serão os próximos passos dessa campanha anti-vaping no Brasil e da sistemática difamação dos cigarros eletrônicos através do medo e da desinformação, sem qualquer embasamento científico. Estaremos de olho.

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