A lei brasileira sobre os cigarros eletrônicos e o panorama do país nos dias atuais

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Apesar do comércio de cigarros eletrônicos ser proibido no Brasil há 14 anos, muitos brasileiros ficam surpresos em saber disso, o que não é de se estranhar, já que o país tem um comércio ilegal tão presente, que é absolutamente normal encontrar os produtos à venda em tabacarias, baladas, na rua e até em lojas e quiosques especializados, em shoppings e centros comerciais.

Há cerca de 4 anos, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, iniciou um processo para discutir uma possível mudança nas regras, com um debate que passa por uma série de etapas e que muitas vezes é um pouco confuso para quem não está por dentro de todos os detalhes, então neste artigo você terá todas as informações relevantes para entender o que está acontecendo sobre o tema.

A chegada dos cigarros eletrônicos

Os cigarros eletrônicos possuem muitos nomes, sendo conhecidos também como vaporizadores, vape e oficialmente batizados pela Anvisa de DEFs – Dispositivos Eletrônicos para Fumar. Foram inventados em 2003 na China por um farmacêutico e engenheiro chamado Hon Lik. O produto fez sucesso e começou a ser fabricado e exportado para muitos países, chegando à Europa em 2006 e nos EUA por volta de 2007. Apesar de não haver uma informação oficial, há relatos que no Brasil já havia produtos à venda antes de 2008.

Com a oferta e procura aumentando gradativamente em cada país, decisões legislativas passaram a ser tomadas. A União Europeia determinou uma estrutura regulatória em 2014, que permitiu o comércio dos produtos sob regras claras de produção, distribuição e venda. Já os EUA foram mais lentos e ficaram sem regulamentação até 2019, aplicando regras somente nos últimos anos. No Brasil, em 2009 a Anvisa optou por proibir o comércio, importação e propaganda dos produtos através da RDC 46/2009. A medida brasileira abrange também qualquer acessório, refil ou líquidos para consumo, assim como a propaganda.

De acordo com o website Global Tobacco Control, uma iniciativa do renomado hospital americano John Hopkins que monitora a legislação dos produtos no mundo, atualmente são 110 países que regulamentaram de alguma forma o comércio dos vaporizadores, como Suécia, Canadá, Nova Zelândia, Japão e outros, enquanto 31 decidiram impedir a prática, lista que o Brasil divide com países notoriamente autoritários como Coréia do Norte, Camboja, Irã, Iraque, Singapura e outros.

Vender cigarro eletrônico é um crime?

Não, mas acaba sendo. Calma que vamos explicar.

As normativas da Anvisa no Brasil não têm o poder de lei por si só, mas têm força regulatória e são parte do sistema legal de regulação de produtos e serviços relacionados à saúde e à vigilância sanitária no país. No Brasil, a legislação é dividida em diferentes níveis. As leis são aprovadas pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional) e sancionadas pelo Poder Executivo (Presidente da República). Essas leis são as normas primárias que têm o mais alto poder legal no país.

No entanto, a Anvisa, como uma agência regulatória vinculada ao Ministério da Saúde, tem o poder de criar regulamentos e normativas para regulamentar e implementar as leis relacionadas à saúde e à vigilância sanitária. Essas normativas, conhecidas como Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs) e outras, têm força legal, mas estão subordinadas às leis existentes. Elas especificam os requisitos e padrões para produtos e serviços relacionados à saúde, bem como procedimentos e regulamentações específicas.

Portanto, enquanto as normativas da Anvisa não são leis em si mesmas, têm força legal dentro do contexto de regulamentar e aplicar as leis de saúde e vigilância sanitária no Brasil. As empresas e indivíduos devem obedecer a essas normativas, e o não cumprimento delas pode resultar em sanções legais.

Então a resposta na teoria para a pergunta “vender um cigarro eletrônico é crime?” é “não”, a venda de cigarros eletrônicos não é considerada um crime federal. Porém, como órgão regulador, a Anvisa pode autuar quem vende vaporizadores com sanções administrativas e multa.

Entretanto, ao proibir o comércio e por ter força regulatória, a Anvisa determinou que o ato de se vender um cigarro eletrônico no Brasil pode não ser um crime por si só, somente “porque uma pessoa praticou a venda”, mas sim porque ela automaticamente está incorrendo em outras contravenções e potenciais crimes, como o contrabando, uma vez que a importação é proibida, além de crimes contra a saúde pública, por oferecer produtos não regulamentados e sem aval de venda da agência reguladora.

E ter ou usar um “vape” é crime?

Essa é bem mais fácil. A resposta é um sonoro “não”.

O Princípio da Legalidade está previsto no artigo 5º, inciso II da CRFB/1988 que estabelece que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”. Nas relações entre particulares, o cidadão pode fazer tudo o que a lei não proíbe, prevalecendo assim a Autonomia da Vontade, que também é um princípio fundamental assim como o Princípio da Isonomia (Igualdade), o Princípio da Liberdade de Imprensa e Informação, etc. Já no que diz respeito à Administração Pública (Estado), só lhe é permitido fazer o que a lei assim determinar.

Usando de um exemplo um pouco tosco para deixar mais claro, não existe uma lei que diz que “você é obrigado a manter as pessoas vivas”, mas sim que é crime tirar a vida de alguém. Para as pessoas, a lei não determina o que se pode fazer e sim o que não pode ser feito.

Portanto, a posse e o uso de cigarros eletrônicos são permitidos em todo o território nacional, pois não há nenhum texto no Brasil que diga que é proibido ter ou usar um produto como esse, nem mesmo na normativa da Anvisa que proibiu o comércio.

É importante lembrar que há limitação do uso desses produtos de acordo com as leis antifumo para locais fechados coletivos, sejam públicos ou privados, como bancos, supermercados, restaurantes e outros locais onde não é permitido fumar.

A discussão atual e uma possível mudança nas regras

Há 14 anos, a justificativa da Anvisa para a decisão de proibir o comércio, importação e propaganda foi o uso do “princípio da precaução” que afirma que “a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.”

Porém, passado tanto tempo, a certeza científica formal foi sendo construída e já temos uma grande quantidade de pesquisas científicas em todo o mundo que atestam a significativa redução de danos que os produtos representam quando comparados com os cigarros convencionais. De acordo com muitos países e instituições, a conclusão é que a redução de riscos e danos é de pelo menos 95%, resultando em apenas uma fração dos danos do fumo.

Por conta da mudança no cenário mundial, novas descobertas científicas e a pressão da sociedade e de interessados no tema, a Anvisa iniciou um processo de revisão da regra atual em 2019, com o Termo de Abertura do Processo Administrativo de Regulação (TAP) nº 22, relacionado aos dispositivos eletrônicos para fumar. Tal documento marca o início das discussões dentro do novo modelo regulatório da Anvisa. Todo o processo está obedecendo as diretrizes do novo processo regulatório da Anvisa, estabelecido por meio da Portaria nº 1.741, de 12/12/2018.

Além da necessária revisão da norma atual à luz das novas pesquisas científicas, o Brasil tem passado nos últimos anos por um crescente uso desses produtos, com dados do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) mostrando que de 2018 para 2022 a incidência de cigarros eletrônicos quadruplicou, com mais de 2 milhões de pessoas adultas consumindo os produtos nos 30 dias anteriores à pesquisa.

Além disso, o Ipec também mostra que 25% dos fumantes adultos de cigarros convencionais já experimentaram os cigarros eletrônicos, o que representa 6 milhões de fumantes que tiveram contato com esses novos produtos. Quando também levamos em conta dados recentes publicados pelo O Globo que mostram que 1 em cada 4 adolescentes já experimentaram vaporizadores no Brasil, temos um cenário ainda pior.

Todo esse consumo é realizado por meio de uma oferta de produtos exclusivamente ilegal, que acontece em praticamente todas as cidades brasileiras, através de postos de gasolina, lojas e quiosques, casas de shows, tabacarias e até na rua por vendedores ambulantes. O ambiente mais propício para o mercado ilegal é a Internet, onde além de lojas especializadas, até grandes magazines como Carrefour, Magazine Luíza e Casas Bahia já tiveram anúncios de produtos em suas plataformas.

Um mercado 100% ilegal oferece riscos muito maiores do que mercados regulados. A afirmação de que cigarros eletrônicos são 95% menos prejudiciais do que cigarros convencionais só pode ser feita onde há controle de produção, qualidade, segurança, combate a falsificações e venda para menores, o que não ocorre no Brasil.

Apesar de também proibida, a importação também é feita em grande escala. Pela Internet, como há um volume muito grande de encomendas internacionais todos os dias para tratamento pelos Correios, a fiscalização é feita por amostragem e muitos produtos não são barrados e chegam ao destino, sem pagar imposto e principalmente sem qualquer controle sanitário. Mas o maior volume está nas fronteiras, principalmente com o Paraguai. Dados da Receita Federal mostram que em 2019 as apreensões totalizaram R$ 2.2 milhões, com um gigantesco salto de 1.400% em 2021, ultrapassando R$ 34 milhões, valores que se repetiram em 2022, totalizando R$ 68 milhões nos últimos dois anos.

Durante todo o período em que a Anvisa debate sobre o tema, organizações de saúde contrárias à liberação do comércio realizam um forte lobby, influenciando a mídia e consequentemente a opinião pública, com frequente divulgação de informações falsas e uma narrativa ideológica, cujo objetivo é causar medo na população e manter a proibição dos produtos no Brasil. A estratégia tem dado certo, já que a maioria dos brasileiros hoje considera que os cigarros eletrônicos são tão ou mais prejudiciais do que os cigarros convencionais, o que não condiz com o que a ciência tem comprovado no mundo todo.

Em Julho de 2022 a ANVISA aprovou um relatório que sugere a manutenção da proibição, que foi bastante criticado por especialistas independentes. Mas é importante lembrar que a aprovação deste relatório não é uma decisão final da agência, apesar do que é comumente noticiado na mídia, sendo apenas uma das etapas de um longo processo.

O documento foi produzido por uma área interna da Anvisa e apesar de aprovado pela diretoria, uma norma atualizada não foi entregue, portanto o que ainda vale é a mesma RDC 46 de 2009. Em entrevista para a imprensa, o diretor-presidente da Anvisa, Sr. Antonio Barra Torres, prometeu no começo do ano uma resposta final sobre o assunto ainda em 2023, garantindo que o calendário regulatório 2021-2023 será seguido, o que significa que pelo menos mais uma consulta pública sobre o tema será realizada, com a participação de toda a sociedade que poderá enviar contribuições e participar ativamente do processo de decisão, para enfim uma nova regra normativa ser criada.

Em um desdobramento recente, no final de Agosto, a Senadora Soraya Thronicke requisitou uma audiência pública no Senado Federal com o objetivo de debater o comércio de cigarros eletrônicos no Brasil e o risco ocasionado pela falta de regulamentação. Vários requerimentos posteriores foram realizados com convites para diversos interessados, entre eles Alexandro Lucian, criador do Vaporaqui.net e presidente do Direta.org, organização não governamental, sem fins lucrativos, que representa consumidores de vaporizadores e defende uma regulamentação adequada do comércio de cigarros eletrônicos no Brasil.

Até o término do ano de 2023 é esperado um desfecho conclusivo sobre a regulamentação do consumo, venda, importação, propaganda e demais cenários que englobam a questão dos cigarros eletrônicos no Brasil, para enfim se chegar a um termo concreto e objetivo.

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Danbee Kang, Ki Hong Choi, Hyunsoo Kim, Hyejeong Park, Jihye Heo, Taek Kyu Park, Joo Myung Lee, Juhee Cho, Jeong Hoon Yang, Joo-Yong Hahn, Seung-Hyuk Choi, Hyeon-Cheol Gwon, Young Bin Song
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