Mídia brasileira divulga estudo de baixa qualidade que alega que diagnóstico de câncer ocorre mais cedo em usuários de cigarro eletrônico

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Nos últimos dias vários veículos de mídia têm publicado artigos divulgando uma “recente pesquisa” que teria “comprovado” que cigarros eletrônicos causariam câncer mais cedo.

Entenda o caso

Ao pesquisar pelos termos “câncer cigarros eletrônicos mais cedo” no Google recebemos vários conteúdos de diversos sites noticiando o “fato”.

Revista Galileu, O Globo, Folha de São Paulo, Mais Goiás (Terra), CBN Curitiba e Unicanews figuram na primeira página da pesquisa do Google. A informação também foi noticiada no programa Encontro com Patrícia Poeta” da Rede Globo do dia 13/12/2022 contando com entrevista com a cardiologista Jaqueline Scholz.

Pelo menos três veículos (Revista Galileu, Folha de São Paulo e Mais Goiás (Terra)) reproduzem conteúdo criado pela Agência Einstein, um site de notícias sobre saúde da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SBIBAE). Os textos contam com o mesmo final:

Risco de retrocesso

Os cigarros eletrônicos foram anunciados como uma alternativa segura e ganharam popularidade, especialmente entre os mais jovens. Segundo os autores, este é o primeiro grande estudo populacional a apontar uma possível associação entre uso dos eletrônicos e câncer em humanos.

Nas últimas décadas, a comprovação de que o cigarro comum causa vários tipos de câncer levou a bem-sucedidas campanhas de conscientização e quedas nas taxas de tabagismo no mundo. No Brasil, medidas como educação da população, proibição do consumo e taxação reduziram drasticamente o número de fumantes nos últimos 30 anos —hoje apenas 11% dos homens e 7% das mulheres fumam.

“O consumo do vape vem aumentando e, sem conscientização, podemos colocar anos de combate ao tabagismo em risco”, alerta a especialista.”

O texto apresenta uma narrativa muito parecida com aquela utilizada por organizações de saúde contrárias à redução dos danos do tabagismo, principalmente à regulamentação do comércio de cigarros eletrônicos no Brasil. Essa narrativa tem se mostrado ideológica e não pautada em trabalhos científicos de qualidade e revisado por pares.

O que diz a pesquisa

Foi relativamente difícil encontrar o material acadêmico original, já que nenhuma das matérias jornalísticas trazia o endereço para a fonte das alegações. Se trata desta publicação com o título “Prevalência de câncer em usuários de cigarro eletrônico: um estudo NHANES transversal retrospectivo” de Fevereiro de 2022, cujo texto completo em PDF pode ser lido clicando aqui.

A primeira coisa que nos chama a atenção é o alerta do próprio World Journal of Oncology, ao começo do texto, que diz:

Expressão Editorial de Preocupação

Os editores foram informados de que pode haver alguns dados potenciais não verificados neste artigo, estamos alertando os leitores sobre essa preocupação enquanto investigamos mais a fundo até a decisão final a ser tomada.

Após análise, entendemos o motivo da preocupação.

A pesquisa apresenta dados de um total de 154.856 participantes, dos quais 5% eram usuários de cigarros eletrônicos, 31,4% eram fumantes tradicionais e 63,6% eram não fumantes. Suas descobertas resultam em usuários de cigarro eletrônico tendo menor prevalência de câncer em comparação com o tabagismo tradicional, mas foram diagnosticados com câncer em uma idade mais jovem.

Ao abrir o documento completo em PDF nos deparamos com um grande alerta em vermelho cruzando toda a página, mostrando novamente o aviso “Editorial Expression of Concern” ou “Expressão Editorial de Preocupação“, mais uma vez avisando os leitores que há preocupações com o conteúdo da pesquisa.

O problema da pesquisa

Para nós é muito clara a incorreta metodologia utilizada no trabalho, que invalida quaisquer dados apresentados e não oferece qualquer confiabilidade, não sendo à toa que o World Journal of Oncology se viu obrigado a colocar um alerta em relação ao conteúdo.

Para os participantes foram feitas duas perguntas em relação aos cigarros “Você fumou pelo menos 100 cigarros em sua vida?” e “Você atualmente fuma?” enquanto em relação aos cigarros eletrônicos a única pergunta foi “Você ALGUM DIA usou cigarros eletrônicos?”.

A superficialidade dos dados sobre cigarros eletrônicos impede qualquer conclusão relevante. Não há informação de frequência, histórico de uso e temporalidade.

Desta forma também são incluídos no critério de “câncer precoce” pessoas que apenas experimentaram os produtos algum dia ou que usaram os cigarros eletrônicos para parar de fumar após anos de tabagismo.

Sem histórico de uso ou temporalidade, muitos participantes podem ter sido fumantes de longa data, que foram diagnosticados com algum tipo de câncer e exatamente por este motivo utilizaram os cigarros eletrônicos para parar de fumar, atribuindo erroneamente causalidade para os vaporizadores.

Infelizmente pesquisas de baixa qualidade não são incomuns no meio científico e não é à toa que o World Journal of Oncology se viu obrigado a colocar um alerta sobre sua preocupação com o conteúdo.

Opinião de especialista

Em relação ao tema, o Vaporaqui consultou o Dr. Riccardo Polosa. De acordo com um artigo publicado no BMC Public Health, ele é o autor mais prolífico no campo dos cigarros eletrônicos, desde 2014. “Professor Titular de Medicina Interna e especialista em Doenças Respiratórias e Imunologia Clínica na Universidade de Catania, bem como o Fundador e Diretor Clínico do Centro de Pesquisa do Tabaco e Diretor Científico do Centro de Excelência para a aceleração da Redução de Danos (CoEHAR) da mesma Universidade.” Dr. Riccardo Polosa declarou:

“Embora, por si só, a nicotina não possa ser completamente descartada como causadora de danos, o consenso científico atual é claro que não há prova clínica de que a nicotina está ligada ao câncer em humanos. Além disso, o Lung Health Study (um ensaio clínico multicêntrico de goma de mascar de nicotina em um grande coorte de fumantes com DPOC leve a moderada, com um acompanhamento de longo prazo de cerca de 15 anos) não indicou nenhuma evidência para um efeito do uso de Terapias de Reposição de Nicotina – TRN no câncer geral. Da mesma forma, estudos avaliando o uso prolongado de tabaco oral sem fumaça, mostraram que o risco de câncer pela ingestão de nicotina é mínimo. A evidência mais convincente vem de grandes estudos populacionais de SNUS [um produto de tabaco oral existente há 200 anos] na Suécia. Ramstrom e Wikmans, por exemplo, usaram dados do Relatório Global da Organização Mundial da Saúde Sobre Mortalidade Atribuível ao Tabaco para comparar taxas de mortalidade por câncer de pulmão relacionada ao tabagismo entre consumidores masculinos de SNUS na Suécia e homens em países europeus onde o SNUS é proibido. Apesar do fato de que ambas as populações tinham taxas iguais de consumo de nicotina diária, os homens suecos tiveram taxas aproximadamente três vezes menos mortes por câncer de pulmão do que os homens na União Europeia. No entanto, vários estudos experimentais in vitro descobriram que a nicotina pode atuar como um promotor tumoral. A atividade promotora de tumor da nicotina é uma área de pesquisa em andamento. Mas apenas estudos prospectivos clínicos e estudos epidemiológicos serão necessários para obter evidências conclusivas.”

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