Especialistas em saúde pública pedem que autoridades dos EUA corrijam desinformação sobre cigarros eletrônicos – EVALI e “porta de entrada ao tabagismo”

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A EVALI – E-cigarette or Vaping Product Use-Associated Lung Injury ou “Lesão Pulmonar Associada ao Uso de produtos de Vaporização ou Cigarros Eletrônicos” em tradução livre, foi o nome oficial dado pelo CDC, órgão de saúde dos EUA, à uma epidemia que ocorreu em meados da metade de 2019, cujo último caso foi registrado em Fevereiro de 2020.

A confusão criada pela nomenclatura causa ainda hoje consequências em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde profissionais de saúde equivocadamente fazem uma ligação da EVALI com produtos de cigarros eletrônicos para consumo de nicotina, que nunca existiu.

Em 2021 uma carta assinada por 75 especialistas apontava o problema e sugeria mudanças.

Agora um grupo de especialistas em saúde pública de cinco grandes universidades dos EUA, juntamente com o procurador-geral de Iowa, publicaram um editorial na revista ADDICTION chamando a atenção para como o CDC e o Surgeon General dos EUA perpetuam a desinformação sobre os cigarros eletrônicos. Eles pedem ao CDC que tome medidas concretas para abordar e corrigir os erros e, assim, fortalecer sua reputação.

Dois dos principais erros apontados são sobre e EVALI e o efeito “porta de entrada” ao tabagismo.

O que é a EVALI?

Temos um artigo completo que trata da EVALI que explica em detalhes o que exatamente aconteceu, mas para contexto deste artigo, apresentamos um resumo.

A EVALI foi uma doença que hospitalizou mais de 2800 pessoas e causou a morte de outros mais de 60 pacientes, resultado de uma contaminação de Acetato de Vitamina E causada por organizações criminosas que falsificaram cartuchos de THC (Tetrahidrocanabinol, substância psicoativa da maconha).

Os cartuchos de THC possuem o comércio legalizado e controlado em muitos estados americanos e desde que fabricados dentro de normas técnicas, até hoje não ofereceram grandes riscos à saúde. Infelizmente, a iniciativa criminosa utilizou um produto inadequado como diluente, o Acetato de Vitamina E. Quando consumido em pílulas por via oral ou cremes pela pele, não oferece qualquer risco, mas ao ser inalado causa uma pneumonia lipídica grave. Após a prisão dos envolvidos e retirada dos produtos do mercado, a EVALI não teve novos casos.

Os dados do CDC informam que 82% dos pacientes declararam ter usado cartuchos de THC, enquanto 14% declararam uso exclusivo de produtos contendo nicotina. É importante lembrar que os pacientes respondem a um questionário ao ser admitidos nos hospitais e teriam que assumir a compra de um produto no mercado ilegal, portanto são dados declarados pelos próprios consumidores. Até hoje não há um único caso registrado e comprovado de EVALI em pacientes que usaram exclusivamente produtos de cigarros eletrônicos de nicotina, apesar de suas declarações. Após a retirada dos produtos contaminados do mercado, não houve novos casos de EVALI.

O nome EVALI causa confusão e desinformação

O nome escolhido pelo CDC para a doença não deixa claro que a epidemia esteve relacionada exclusivamente com a substância THC e que não teve conexão com produtos contendo somente nicotina. No próprio site do CDC há alertas para o uso de cartuchos de THC, mas não para produtos exclusivos de nicotina, com o órgão recomendando que adultos que desejam parar de fumar usando cigarros eletrônicos com nicotina devem trocar totalmente os cigarros convencionais e evitar o uso duplo.

Mas ainda não há um alerta claro ou admissão que cigarros eletrônicos com nicotina, os mesmos modelos consumidos ilegalmente no Brasil, não foram responsáveis pela EVALI.

Por causa disso, ainda hoje profissionais de saúde e organizações brasileiras, em uma campanha ideológica e desinformada contra a regulamentação dos cigarros eletrônicos pela ANVISA, espalham informações falsas sobre a EVALI, criando uma conexão inexistente com os produtos.

Muitos especialistas de controle de tabaco já foram à público externar o problema e exigir uma mudança no nome EVALI, além de uma admissão mais clara do que realmente aconteceu, salientando que não houve ligação com produtos exclusivos com nicotina adquiridos no mercado legalizado.

Um trabalho de Colin P. Mendelsohn, Alex Wodak e Wayne Hall conclui que “O nome EVALI é enganoso, pois implica falsamente que todos os produtos vaping causam esse distúrbio, quando a única causa identificada foi o acetato de vitamina E em dispositivos de THC. Um nome mais preciso seria VALI (Vaping Associated Lung Injury) ou THCVALI.”

Em artigo de Clive Bates intitulado “Percepções de risco do cigarro eletrônico – uma cena de crime americana”, o especialista aponta os problemas que a desinformação causou, mudando a opinião pública americana da percepção correta de que cigarros eletrônicos são muito menos prejudiciais do que cigarros convencionais para o inverso.

75 especialistas enviam carta ao CDC

Em Agosto de 2021 setenta e cinco especialistas redigiram uma carta e encaminharam ao CDC solicitando a correção do nome EVALI. A carta começa com uma declaração:

“Esta carta é assinada por setenta e cinco especialistas multidisciplinares, bem como por outras partes interessadas importantes na luta para reduzir as doenças e mortes relacionadas ao tabaco. Isso inclui sete indivíduos que atuaram como presidente da Society for Research on Nicotine and Tobacco. Com base em nossa experiência coletiva, escrevemos para solicitar aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças [CDC] que renomeiem “Lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou produto vaping” (EVALI)”

O principal ponto da carta é a confusão que o nome EVALI causa ao público, que resultou em uma cobertura feita pela mídia que distribui até hoje informações incorretas:

“…o nome EVALI é ineficaz e enganoso, pois não fornece aos profissionais de saúde ou ao público clareza e especificidade quanto às fontes de risco para esses danos. Também não deixa claro quais medidas tomar para reduzir o risco de tais danos. Primeiro, “cigarro eletrônico” usado pelo público refere-se apenas a produtos de nicotina para vaping; nenhum usuário de THC diria que o consome um “cigarro eletrônico”. Após o surto de EVALI e após a cobertura das evidências de que o vaporizador de THC adulterado foi o responsável, uma pesquisa descobriu que dois terços dos entrevistados relacionaram as mortes por doenças pulmonares ao uso de “cigarros eletrônicos como o JUUL”. Apenas 28% relacionaram as mortes ao uso de “maconha ou cigarros eletrônicos de THC.”

A carta também sugere um novo nome, mais tecnicamente correto, que ajudaria a opinião pública e profissionais de saúde, bem como oferece informações importantes para fabricantes e consumidores:

“Acreditamos que a Lesão Pulmonar Associada ao Vaping de THC Adulterado (ATHCVALI) comunica informações muito mais precisas ao público sobre os riscos à saúde, seja a fonte de adulteração do Acetato de Vitamina E ou de outros compostos, como o fitol. O ATHCVALI também é consistente com as diretrizes sobre nomenclatura de doenças, o que desencoraja descritores genéricos (como cigarros eletrônicos, que não são a fonte do problema — a adulteração prejudicial em produtos de THC é). Nosso nome sugerido ATHCVALI fornece informações importantes para fabricantes e consumidores de que os produtos THC vape podem incluir adulterantes nocivos, incentivando assim ações corretivas das forças do mercado. Consideramos outros nomes antes de recomendar o ATHCVALI, incluindo Lesão Pulmonar com Acetato de Vitamina E (VEALI), que, embora seja uma melhoria inequívoca em relação ao EVALI, talvez não seja suficientemente ampla, pois outros adulterantes nos produtos vaping de THC além da Vitamina E podem causar lesões pulmonares. Estamos felizes em compartilhar com você outras opções de nomenclatura que melhoram o EVALI, fornecem informações científicas sobre os riscos conhecidos e não estigmatizam as pessoas que tentam usar cigarros eletrônicos para parar de fumar.”

Efeito “porta de entrada”

Assim como acontece com a EVALI, o chamado efeito “porta de entrada” ao tabagismo é outra informação equivocada que causa confusão na sociedade, entre consumidores e principalmente profissionais de saúde. O conceito é uma associação de causalidade no uso dos cigarros eletrônicos e consequente consumo de cigarros tradicionais.

Hoje já temos informações suficientes para não apenas descartar essa ideia, como identificamos que o inverso ocorre. As pessoas no mundo todo estão trocando os cigarros convencionais, muito prejudiciais à saúde, pelos vaporizadores, que de acordo com organizações de saúde mundiais como as do Reino Unido, são pelo menos 95% menos prejudiciais à saúde e possuem somente uma fração dos riscos de fumar.

Novo apelo de especialistas

Em 12 de Dezembro, mais uma vez vários especialistas de destaque na pesquisa sobre cigarros eletrônicos estão pedindo ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA que corrija as informações incorretas que exageram os perigos dos produtos.

Sua principal mensagem é “A desinformação em saúde é prejudicial, pois pode causar confusão e semear desconfiança quanto à adoção de recomendações e políticas de saúde pública. Fornecemos exemplos de desinformação sobre cigarros eletrônicos promovida pelas autoridades de saúde pública dos Estados Unidos, que persistiram apesar de novos dados desafiarem a validade das afirmações originais.”

O artigo fala novamente da EVALI dizendo que “apesar das evidências, o CDC continua incluindo ‘cigarros eletrônicos’ no nome EVALI. Essa nomeação afetou a cobertura de notícias e contribuiu para crenças distorcidas do consumidor sobre os riscos do vaporizador de nicotina. Os fumantes têm duas vezes mais chances de identificar incorretamente os cigarros eletrônicos de nicotina como a causa do EVALI do que identificar corretamente produtos ilícitos e adulterados de THC.”

O trabalho também aborda o efeito de “porta de entrada” dos cigarros eletrônicos ao tabagismo: “…agora existem evidências significativas de que essa associação entre vaping e tabagismo não é causal, o que é uma fonte de confusão para o público leigo e profissionais de saúde. Os dados da pesquisa mostram que o uso de cigarros pelos jovens está diminuindo constantemente, apesar do aumento do vaping. Quando as taxas de uso de cigarro eletrônico por jovens nos últimos 30 dias chegaram a 32,9% em 2019, as taxas de tabagismo entre jovens deveriam estar aumentando se a declaração do SG [Surgeon General, cargo nos EUA que pode ser considerado o “médico da nação”] de que ‘o uso de cigarro eletrônico está associado ao uso de outros produtos de tabaco ‘ representa uma relação causal. Em vez disso, até 2021, a taxa de consumo de cigarros entre jovens caiu para um recorde de baixa de 1,9%.”

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